sexta-feira, 3 de janeiro de 2020


A BATALHA DE AGINCOURT E O TRIUNFO DE HENRIQUE V



Monteiro, Martins e Agostinho (2015) fazem uma empolgante revisão literária sobre a Batalha de Agincourt de 1415. Como não poderia deixar de ser, os autores chamam a atenção para a obra de Shakespeare, Henrique V, que imortalizou o monarca inglês responsável por essa importante vitória das forças inglesas sobre os franceses no início do século XV. Para os autores, tanto ingleses quanto franceses tentaram escrever a história ocorrida em Agincourt de acordo com suas convicções, nas quais podemos encontrar similaridades, bem como discrepâncias.
Entre as fontes de época, os autores chamam a atenção para a Gesta Henrici Quinti, datada por cerca de 1417, de autoria de um dos clérigos da campanha inglesa. Da mesma forma, destacam La Chronique d’ Enguerran de Monstrelet, de Jean Waurin e de Le Fèvre, a partir de relatos do capitão do conde de Saint-Paul. Esses relatos são donos de grande importância para o entendimento da Batalha de Agincourt por terem servido como testemunhas oculares do embate entre franceses e ingleses.
Enquanto a querela entre França e Inglaterra se estendia desde o século XI, a situação política de ambos os reinos, no início do século XV, era bastante turbulenta. O regente francês, Carlos VI, envolvido com sérios problemas de saúde, tinha o seu trono cobiçado por membros da realeza francesa, enquanto na Inglaterra, Henrique V tinha por obrigação apagar a pecha de usurpador, agregando o apoio da nobreza. A melhor forma de resolver os problemas? Declarar guerra, lógico.
No dia 24 de julho de 1415, Henrique V redigiu seu testamento, ofereceu esmolas, encomendou missas e pediu ajuda a Deus para dizimar os franceses e ser aclamado por seu povo. Em 11 de agosto daquele ano, a armada inglesa levantou âncora de Southampton e partiu para Harfleur, cidade francesa que tinha seu lado sul voltado para o rio Sena. Henrique V calculava tomar Harfleur rapidamente. Entretanto, a cidade só capitulou no dia 23 de setembro, o que provocou o consumo maior do que o previsto de mantimentos trazidos pela armada inglesa. Além disso, uma terrível epidemia de disenteria havia aniquilado um considerável número de combatentes ingleses. Ou seja, a fome, as batalhas e a disenteria eram obstáculos que haviam surgido contra o plano do dirigente inglês.
Henrique V e seus homens partiram de Harfleur no dia 9 de outubro e só se depararam com as forças francesas no dia 24 daquele mês, véspera do dia de São Crispim, santo francês, nas proximidades de Agincourt. O exército inglês contava, estima-se, com 9 000 homens. Estavam cansados de lutar para tomar Harfleur, bem como pela caminhada de 400 km que haviam realizado entre Harfleur e Agincourt. Além da fome e da disenteria. O exército francês tinha, segundo relatos, no mínimo, 12 000 homens, fortemente armados de infantaria e cavalaria.
Quando o dia de São Crispim raiou os dois exércitos se colocaram em posição de combate, mas não sem antes realizarem missas para serem abençoados pela suprema bondade de Deus, ou para encomendarem as almas de seus adversários ou as suas próprias. Era claro, naquele momento, para ambos os lados, que a superioridade numérica do exército francês servia como premonição do que se desenharia no campo de batalha.
Entretanto, nesses momentos em que a História se transmuta em algo mítico, não aconteceu como previsto. Os arqueiros ingleses, escondidos nos bosques, forçaram a cavalaria francesa a voltar, indo de encontro aos arqueiros que vinham em seguida, anulando o poder ofensivo desses últimos. Esclareçamos que o campo de batalha onde se realizou o embate entre franceses e ingleses era um charco lamacento limitado pelos flancos por bosques, adquirindo formato de funil, o que favoreceu os ingleses em detrimento dos franceses. O imenso número de inimigos favoreceu a atuação dos arqueiros ingleses, que disparavam nuvens de flechas sobre as hostes inimigas. Calcula-se que poderia chegar a 70 000 flechas por minuto. O exército francês, sem ter para onde fugir, foi dizimado. Henrique V ordenou que não fizessem prisioneiros, temeroso que esses pudessem se reorganizar e mudar o destino da batalha em prol do reino da França.
Na manhã do dia 26 de outubro, Henrique V e seu exército passaram por cima dos cadáveres estendidos no campo de batalha, indo em direção a Calais, onde chegou somente no dia 29. Retornou a Londres em 11 de novembro, tendo sido recebido triunfantemente.
Com a vitória inconteste, Henrique V conseguiu a legitimidade que tanto procurava, além do apoio do parlamento e da nobreza. Outras investidas foram realizadas até que em 1420 os regentes da França e Inglaterra assinaram o Tratado de Troyes, no qual tornava Henrique V sucessor de Carlos VI, acumulando, dessa forma, as coroas de França e Inglaterra. O destino do reino francês estava determinado, não fosse o surgimento de outra figura emblemática e misteriosa: Joana d’Arc.

Referências:

CURRY, Anne. A Guerra dos Cem Anos. Barcelona: Osprey, 2010.

MONTEIRO, João Gouveia. Guerra e poder na Europa medieval. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2015.