NOS TEMPOS DO CABRAL
STADEN,
Hans. Duas viagens ao Brasil. Porto
Alegre: L&PM, 2008.
“Lá vem sua comida pulando”, a frase
dita pelo alemão Hans Staden, diante de seus raptores tupinambás, foi, segundo
Eduardo Bueno, responsável por Tarsila do Amaral decidir pintar seu quadro Abaporu, e Oswald de Andrade deflagrar o
movimento antropofágico, marcos que eclodiriam na Semana de Arte Moderna.
Mas quem foi Hans Staden? Apesar de
informações escassas sobre este alemão, sabe-se que foi um aventureiro e
mercenário que empreendeu duas viagens ao Brasil, ainda na primeira metade do
século XVI.
Tais viagens ao nosso país são o tema
de seu relato, uma história verídica que conta a descrição de uma terra de “selvagens,
nus e cruéis comedores de seres humanos, [...] desconhecida antes e depois de
Jesus Cristo”, segundo as próprias palavras de Staden.
O livro é antes de tudo um relato de
fé, pois sendo Staden, um cristão que se deixou apanhar por índios
antropófagos, é frequente, em sua narrativa dos fatos vividos, a esperança
depositada em um auxílio celeste, espiritual, metafísico, ou como você
preferir chamar.
Por outro lado, não é difícil tomar
seu lado, frente a incansável ameaça de poder ser morto e devorado a qualquer
momento pelos (como ele próprio chama) “selvagens” e “cruéis” tupinambás, que
fariam os defensores do evolucionismo cultural bradarem suas teorias com uma
certeza cristalina.
O livro A sociedade
antiga de Lewis Morgan seria publica apenas em 1877, mas o relato de Staden
passaria muito bem por um estudo sobre evolução cultural. De um lado, um cristão
europeu, temente a Deus, responsável pela segurança de sua vila, imbricada no
meio do inferno verde da mata e defensor da coroa real; e do outro lado, os
selvagens comedores de carne humana.
De qualquer forma, dentro do relato
sobre as duas viagens ao Brasil, todo o tom macabro é referente à última. É bem
provável que, depois de toda a carga de temor e adrenalina presente, o jovem
Staden não se dispôs a fazer uma terceira. Vai que a sorte muda...
Outra característica que chama a
atenção é o fato de portugueses e tupinambás, apesar de se digladiarem
frequentemente, serem capazes de realizar negócios, como exposto no capítulo 38.
Era
comum os portugueses irem também para as terras de seus inimigos, embora viajassem
bem armados, para fazer comércio com eles. Eles dão aos selvagens facas e
foices em troca de farinha de mandioca, que os selvagens têm em abundância em
algumas regiões (STADEN, 2008, p. 77).
A narrativa de Staden dá margem para
uma avaliação de costumes, tanto por seus habitantes naturais como por seus
invasores, em uma terra ainda inexplorada, precária e carente.
Apresenta uma leitura leve com seus
capítulos curtos de narrativa clara e ágil, sendo obra obrigatória a quem se
propõe desvendar nuances de um Brasil ainda desconhecido e misterioso.
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