DO GOLPE À DITADURA
Carlos Fico, doutor em
história social (USP), é uma das maiores autoridades sobre o regime militar
brasileiro e autor de vários trabalhos sobre o tema. Em seu livro O golpe de 64, Fico faz emergir dois
pontos de grande importância sobre o período. O primeiro, é que o golpe de 1964
foi de origem civil-militar e não apenas militar, pois contou com o apoio de
grande parcela da sociedade civil, que queria, a qualquer preço, a saída de
João Goulart da Presidência da República. O segundo ponto nos fala sobre o fato
de que o golpe não pressupunha a ditadura que se seguiu, ou seja, o remédio a
ser utilizado contra a doença teve reações adversas amargas. O que começou com
um Golpe de Estado, acabou por transformar-se em ditadura.
Evento-chave da história recente do Brasil, o golpe de 1964 teve grande apoio da Igreja, parte da
imprensa e de outros setores da sociedade, que anos depois viriam a se
arrepender, e engrossariam as fileiras contra o regime militar. O golpe não foi uma
iniciativa de militares desarvorados, pois contou, inclusive, com o apoio
financeiro e logístico do governo norte-americano.
Fico nos mostra o
panorama político antecedente ao golpe. Jânio Quadros, que havia
sido eleito presidente da República em 1960, enviou o seu vice-presidente, João
Goulart, para uma visita à China, com o objetivo de (com seu vice-presidente o
mais longe possível, literalmente) encenar uma renúncia teatral e assim, voltar
ao poder nos braços do povo, angariando mais força política.
O plano irresponsável de
Jânio Quadros jogou o Brasil em uma crise política imensa. Sua renúncia foi
prontamente aceita pelo Congresso Nacional e os comandantes das Forças Armadas
resolveram não aceitar João Goulart como presidente da nação, por acreditarem ser ele comunista. Ideia que o autor não concorda, por ser João Goulart
proprietário de grandes extensões de terra no Rio Grande do Sul.
Nesse ínterim, o governador
gaúcho Leonel Brizola lançava a “Rede da Legalidade”, campanha que utilizava, por
meio de pronunciamentos pelo rádio, a defesa pelo direito do vice-presidente
assumir a Presidência da República.
Com o país vivendo um verdadeiro
caos político, chegou-se a uma solução inusitada. O país adotaria o sistema
parlamentarista, que limitaria os poderes do presidente da República.
Entretanto, em 6 de janeiro de 1963 foi realizado um plebisto tendo como
resultado o retorno do sistema presidencialista.
João Goulart vinha sendo
sistematicamente atacado por campanhas empreendidas pelo Ipes e Ibad, duas
associações de empresários que tinham por objetivo desestabilizar o governo, que
segundo Fico, recebiam, inclusive, recursos financeiros do governo
norte-americano para tal. De acordo com Fico,
depois de sair vitorioso no plebiscito de 1963, Goulart decidiu-se a favor de
uma estratégia desastrada e se envolveu em duas situações cruciais para a sua
deposição: o famoso comício da Central do Brasil, de 13 de março de 1964, e seu
discurso no Automóvel Club do Brasil, no dia 29. Este último, uma festa
realizada pela Associação do Suboficiais e Sargentos da Polícia Militar, que
foi entendida pelos oficiais como se o presidente estivesse prestigiando a
quebra da hierarquia. Ou seja, um desastre, pois lá seria seu último discurso
como presidente da República.
Fico expõe em seu livro a
relação da “Marcha Pela Família” com a “Cruzada do Rosário”, movimento criado
em 1945, nos Estados Unidos, pelo padre irlandês Patrick Peyton, além de nos
descrever a importância do discurso de Goulart no desagravo de lideranças
religiosas para a origem das “Marchas Pela Família”.
De acordo com o autor, os
conspiradores acreditavam que João Goulart aproveitaria o apoio que tinha dos
sindicatos e, por meio de um golpe de Estado ou de algumas medidas de força
sucessivas, instauraria um regime político inspirado no peronismo argentino, no
qual prevaleceria a vontade dos sindicatos, instaurando, posteriormente, um
regime decididamente comunista na Brasil.
Em uma decisão pessoal,
que inclusive, atropelou outros chefes militares, o general Olympio Mourão
Filho, deflagrou o golpe. Suas tropas iniciaram o deslocamento em direção ao
Rio de Janeiro, onde todos os conspiradores esperavam grande resistência da
parte de Goulart. Fato que não ocorreu. Por outro lado, o governo dos Estados
Unidos estava pronto para dar apoio militar e logístico aos conspiradores, o
que depois se mostrou desnecessário, por não haver resistência por parte do
presidente Goulart. Rapidamente, ainda de
madrugada e no escuro, o Congresso Nacional declarou vacância do cargo de
presidente da República e empossa Ranieri Mazzilli, o presidente da câmara,
como novo presidente do Brasil.
Nas primeiras horas do dia,
Costa e Silva, tentando manter-se como homem forte do novo regime, reuniu-se
com os governadores no Ministério da Guerra. Esse fato para Fico é de extrema
importância, pois aí dá-se a passagem do golpe civil-militar à ditadura
militar. Lacerda, governador da
Guanabara, tentava convencer Costa e Silva da necessidade de imediata definição
e o general o interrompia, dizendo não ser oportuno fazer-se eleição naquele
momento. Além disso, o livro nos
mostra como foi planejada a criação dos Atos Institucionais e a tentativa de
dar legalidade ao golpe que mergulhou o nosso país em um de seus mais
tenebrosos capítulos.
O
golpe de 64 é leitura obrigatória para aqueles que
desejam se aprofundar sobre o tema, ou mesmo aqueles que buscam conhecer um
pouco mais sobre a história do Brasil.
FICO, Carlos. O golpe de 64: momentos decisivos. Rio de Janeiro: FGV, 2015.
Sei que o post não se propôs a fazer uma avaliação do período, entretanto, acho interessante primeiro a separação, como foi feita, entre o Golpe ou contra-revolução(como alguns preferem) e o regime que prevaleceu posteriormente.
ResponderExcluirConcordo plenamente que João Goulart foi "derrubado" com amplo apoio e, que se mostrava um desastre politicamente.
Agora, não creio que a derrubada de Jango produziu "instantaneamente" um Regime Militar, isso já foi oura história, até pelas diferenças dentro do próprio exercito e a série de acontecimentos que viriam acontecer.
Abraço